- Chip
Em algum lugar no passado
14/05/14, 04:27 am
Tem um bom tempo que eu queria escrever histórias dos heróis do passado, mas nunca encontrava criatividade ou paciência pra escrever. Depois do Fhodcast eu percebi que deveria tentar mais uma vez. Não digo que encontrei a criatividade que me faltava, mas ao menos a paciência eu encontrei. Enfim, com o tempo eu vou atualizando os contos. Ou não.
Quero só deixar claro que essa é a minha versão da história, não é nenhuma versão oficial, se é que existe versão oficial.
Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência
Quero só deixar claro que essa é a minha versão da história, não é nenhuma versão oficial, se é que existe versão oficial.
- Prólogo:
Área Rural de Canoas, Rio Grande do Sul - 26/07/1953 - 14:34
Dois irmãos se divertiam na varanda do casarão principal da fazenda. O mais velho aproveitava o tempo livre que tinha de férias. O mais novo aproveitava a companhia do irmão que não via a muito tempo. Ao longe, avistam um Cadillac Eldorado cruzando a porteira da fazenda, e se aproximando. O homem de uns 50 anos, branco, alto e forte que dirigia aquele conversível, desceu do carro, arrumando o chapéu por cima daqueles cabelos grisalhos. O irmão mais velho corre para cumprimentar o senhor, enquanto o mais novo aguardava na varanda, observando toda a cena. O garoto tentava imaginar de onde se conheciam. Olhou atentamente para o homem, como sempre fazia com quem não conhecia, analisando de cima em baixo. O que mais chamou atenção foi um colar dourado que o homem fez questão de esconder.
O jovem reuniu a família para conhecer o seu professor na universidade, Dr. Johaan Karl Leiningen, que viajou longas distancias apenas para conhecer a família de seu melhor aluno. Após horas de conversa com os pais dos jovens, ele leva os dois garotos para um passeio. Na região central de Canoas, uma trupe de circo havia montado o parque e no dia seguinte aconteceria um esperado espetáculo. Uma noite divertida, que prometia ser a melhor daquelas férias.
Na volta para casa, um pequeno desvio. A lua estava cheia, o céu limpo. Pararam de frente um lago, admirando a luz da lua sobre a água. O mais novo sentiu uma presença ruim naquele local. O homem começa a recitar algumas palavras numa lingua diferente. O primogênito se vira para o irmão, com uma expressão de terror em seu rosto, porém sua face não correspondia as ações de seu corpo. Repentinamente o jovem avançou contra o garoto mais novo e começou a espancá-lo. As tentativas de defesa eram totalmente falhas, o seu irmão mais velho estava com uma força descomunal. Ele estava agora sem expressão nenhuma, seus olhos estavam completamente negros, e veias enegrecidas surgiam ao redor dos olhos. Quando o garoto estava a pouco de desmaiar, o irmão para e fica em pé novamente.
O homem se agaixa perto do garoto, e com um olhar triste no rosto, apenas disse:
-Rogério, agora tudo ficará bem. - Ele recita mais algumas palavras e o irmão mais velho volta ao normal.
O garoto, caído ao chão, sangrando, já não escuta mais nada, e sua visão começa a ficar turva. Ele vê apenas cenas isoladas. Seu irmão mais velho ajoelhado ao seu lado, chorando. O homem agarrando o jovem e espancando-o. O jovem flutuando, com uma expressão agonizante de dor. O homem vestindo uma capa negra que parecia ter vida própria. Uma adaga primeiro cortando os pulsos, depois a garganta, e por fim perfurando o peito na altura do coração. O sangue não caía, escorria no ar em direção ao homem. Depois um brilho forte e nada mais estava ali. Nem o homem, nem o corpo de seu irmão. O garoto queria resistir, mas não conseguiu e por fim fechou os olhos.
Acordou com um cachorro lambendo suas feridas no rosto. Ouviu vozes e passos se aproximando rapidamente. Sentiu braços o puxando e uma dor latente percorreu todo seu corpo, um grito de dor e o jovem garoto novamente desmaiou. Acordou dias depois, já em casa, em sua cama, tentou se levantar mas o corpo todo doía. Resolveu continuar deitado. Não contou para ninguém o que acontecera aquela noite. Inventou uma mentira, para proteger a família da verdade. E voltou a dormir.
- Capítulo 1:
São Paulo, São Paulo - 14/03/1959 - 08:20
Primeiro um pé, logo depois o outro. O jovem Rogério que acabará de descer do onibus com apenas uma mochila nas costas, e um chapéu na cabeça, estava oficialmente começando a nova fase de sua vida. Resolvera largar tudo, torcendo que os fantasmas do passado ficassem para trás, junto com todo o resto. Olhou para um lado e para o outro, pensando o que faria. Havia planejado todo o seu sumiço, mas não sabia muito bem o que fazer quando enfim chegasse em São Paulo. Resolveu achar algum lugar para morar, ou ao menos passar a noite. O resultado disso foram várias portas na cara e poucas rejeições educadas, a última delas recomendou tentar numa casa antiga, que provavelmente iria aceitá-lo.
O jovem gaúcho bateu na porta uma, duas, três vezes. Esperou quase 10 minutos, mas ninguém atendia. Quando já havia desistido, ouviu a porta se abrindo e uma voz dizendo "pois não?". Ele se virou e a primeira visão que teve foi um jovem, baixo, magro e muito branco, provavelmente da mesma idade, se não mais novo. Tinha uma feição engraçada. Nariz pontudo, sorriso largo sem mostrar os dentes.Um rosto liso de onde provavelmente nunca nascera barba. Os olhos eram azuis, grandes e separados. Sobrancelhas grossas sobre eles quase se juntavam. Suas olheiras profundas denunciavam cansaço, mas seus olhos vidrados diziam que ainda tinha muita energia pra gastar. Seus cabelos negros estavam emaranhados. Ele usava um jaleco branco fechado, e um tipo de visor de plástico pendurado em seu pescoço. O mais inusitado de tudo, é que o jovem estava completamente sujo. Rogério conseguiu identificar molho de tomate, fuligem, graxa, giz e pó de café.
-Boa tarde - Começou dizendo, tentando não rir do jovem a sua frente. - Meu nome é Rogério, a senhora que mora no 463 me disse que tu tem um quarto pra alugar. Eu estava interessado em...
-Ah sim, claro, por que não, oras. - Cortou o jovem, falando rápido. - Eu tenho um quarto pra alugar sim, não é lá grandes coisa mas já vale de alguma coisa, oras. A próposito, meu nome é Augusto Lima. - Tirou as luvas, estendeu a mão e esperou um aperto de mãos. Rogério, apreensivo, também estendeu e cumprimentou Augusto, que chacalhou forte, e voltou a falar. - O último tava reclamando muito de dor de cabeça e falta de sono, mas eu não acho que eu tenha culpa, oras. Venha, vou te mostrar a casa. - Puxou Rogério pelo braço. - Bom, pelo menos o que vale a pena mostrar. Essa é a sala de estar, mas eu particulamente não passo muito tempo aqui, só quando recebo visitas, mas bem, não são lá muitas visitas que eu recebo, oras. - Mostrou uma sala arrumada, com móveis antigos porém limpos. Uma escada no lado direito dava acesso a um segundo piso. - Nessa porta é o escritório. - Ele abriu a porta mas não entrou, deu pra ver mais móveis antigos e limpos, e uma parede inteira dedicada a livros. - Fique a vontade pra entrar, não costumo ficar muito tempo aqui também não, mas tem uma estante cheia de livros, na maioria acadêmicos, mas tem alguns romances também. Eu particulamente prefiro Isaac Asimov, mas também tem Julio Verne, HG Wells, PKD, George Orwell, entre outros. São ótimas histórias, inspiradoras aliás. - Ele puxou a porta que se fechou num estrondo e abriu uma segunda porta. - Aqui é o banheiro, não tem muito o que falar, só fique a vontade para usá-lo quando necessitado, oras. - Soltou uma gargalhada alta e caminhou por um corredor até um terceiro comodo, uma sala de jantar, com mais móveis antigos e limpos. - Aqui é a sala de jantar, bom, é outro cômodo que eu não uso muito, mas fique a vontade também se quiser, sei lá, jantar, oras. - Daquele cômodo uma porta, que dava na cozinha. De todos aquele parecia ser o menos arrumado, e isso se deve apenas por uns dois pratos na pia e duas portas de armário abertas. -Aqui a cozinha, ela tem tudo o que você precisar, eu acho. Bem, Dona Maria fica responsável por abastecer a geladeira, por isso não tenho certeza, não sei se ela veio essa semana. Mas do jeito que a casa ta arrumada parece que ela veio aqui hoje, ou ontem. Isso não importa, vem vou te mostrar o restante da casa. - Augusto conduziu Rogério de volta a sala de estar, esquecendo de mostrar a porta da cozinha que dava para os fundos da casa. Passando pelo corredor, deu uma pequena pausa em frente a uma porta que não havia mostrado antes. - Bom, aqui é... - Girou a maçaneta, mas hesitou e não abriu a porta. - ...o porão, fico aqui uma boa parte do tempo, oras. Lá em cima ficam os quartos, acho que você vai gostar, o bom que pela manhã o sol não bate na janela, isso me irritava quando eu era menor. E no fim da tarde bate uma brisa suave, ótima pra aproveitar com um cafézinho. - Subiram as escadas de tábua corrida, que caiu num pequeno corredor. - Aqui é o meu quarto, geralmente não passo muito tempo nele também. - Abriu a primeira porta, e se mostrou surpreso por estar arrumado. - Eu esperava que ao menos o quarto estivesse bagunçado. - Coçou a cabeça. - Mas tá tudo no devido lugar, oras. - Soltou outra gargalhada e parou assim que olhou o relógio em seu pulso. - Aqui fica mais um banheiro, e ali vai ser seu quarto, a segunda porta é melhor nem entrar. - Disse apressado, apontando cada porta, antes de descer correndo escada abaixo.
- Mas e quanto ao aluguel? - Gritou Rogério
- Mais tarde. - Gritou do primeiro andar. Logo depois, o estrondo de outra porta se fechando.
Rogério se dirigiu à terceira porta. Abriu e se deparou com um quarto identico ao anterior, mesmo tamanho e até mesmo a disposição dos móveis era a mesma. Ele abriu uma janela e deixou a brisa entrar no quarto. A janela dava nos fundos da casa, nada especial se encontrava ali. Largou sua mochila em cima de uma mesinha, puxou a cadeira, sentou-se e começou a revisar o conteúdo de sua mochila. Tirou uma caixa, dentro dela alguns pertences, mas não dele, eram de sua família. Um lenço de sua mãe, um canivete de seu pai, outras coisa dos outros irmãos. Por ultimo, uma carta, o item mais antigo. Seu irmão enviara aquela carta, meses antes de morrer naquele 26 de julho.
Ele guardou os itens de volta na caixa e a deixou em cima da mesa. Abriu o guarda-roupas, achou um travesseiro. Aproveitou aquele momento sozinho para descansar das longas horas de viagem. Tirou os sapatos e deitou olhando para o teto. Piscou os olhos lentamente algumas vezes. O quarto começou a ficar escuro, a claridade do sol não entrava mais pela janela. Ele levantou assustado, suando frio. Se dirigiu a janela e a cena que ele viu foi um lago, apenas a luz da lua cheia sobre a água. O céu estava limpo. Seu irmão estava sobre o lago. Flutuando. Sangrando. Uma mancha negra surge por trás deles, o envolvendo, o tomando para si. A mancha toma forma, a forma de seu assassino, que se aproxima e diz:
- Rogério, agora tudo vai ficar bem.
Uma explosão desperta Rogério de seu pesadelo, ele sente a cama tremer. Num pulo sai da cama, corre na mochila, pega um revolver e sai do quarto correndo com a arma em punho. Desce as escadas e olha ao redor. Vê uma fumaça saindo pela soleira de uma porta. Era o porão, onde provavelmente Augusto estaria.
Abriu a porta devagar e mais fumaça sai de lá. Ele desce as escadas cuidadosamente, procurando. Não procurando o jovem que conhecera, mas sim algo pior. Talvez ainda estivesse aflito pelo pesadelo, mas não encontrou nada no local. Viu Augusto caído no chão. Enfia sua arma na calça, atrás e corre até o alfitrião. Tentou acordá-lo com alguns tapinhas no rosto, mas nada. Olhou ao redor, achou uma torneira, pegou um pouco de água e jogou no rosto dele. Então ele desperta, assustado, mas logo sua feição muda para uma triste.
- Três dias acordado. - E volta a dormir.
Só então Rogério repara aonde está, era o local de trabalho de Augusto. Numa mesa extensa, uma grande aparelhagem de laboratório. Numa outra mesa, papeis espalhados, xícaras e garrafas térmicas espalhadas sobre a mesa. Uma estante com várias gavetas e portas abertas. Uma câmara de vidro, um quadro-negro enorme com contas e esquemas que o jovem gaúcho nunca tinha visto na vida. Os mais diversos tipos de máquinário. Rogério não conhecia um décimo do que estava naquele porão que com certeza era maior que todo o lote da casa. Encontrou até mesmo um colchonete naquele lugar. Fora para esse colchonete que o jovem carregou Alberto e o deixou descansando. Rogério subiu o primeiro lance de escadas, subiu o segundo, voltou para o quarto e voltou a dormir. Dessa vez, nenhum pesadelo.
Poucas horas depois, se levantou, pegou uma toalha no guarda-roupa e foi tomar um banho. Debaixo do chuveiro, ficou mais tempo de olhos fechados, pensando em seus próximos passos, do que realmente se limpando. Desligou o chuveiro, ficou de frente ao espelho, e viu um rosto diferente do que via antigamente. Aos 14 era um garoto inocente, sorridente e brincalhão.
Agora, aos 20, a expressão que via era de um jovem triste, amargurado e sério. Passou para trás os cabelos loiros que estava quase na altura dos ombros e pôde ver melhor seu rosto. Olhos castanhos, sobre eles, sobrancelhas retas, e uma cicatriz ao lado. Nariz torto, devido um soco que o quebrou. A barba por fazer, ainda que não completa, tentava esconder mais algumas cicatrizes.
Vestiu uma muda de roupa limpa que estava em sua mochila, colocou seu chapéu, e desceu as escadas. Um barulho de motor chamou sua atenção. Ele abriu a porta do porão mais uma vez, desceu as escadas e encontrou Augusto sentado a mesa, revisando alguns daqueles papéis.
- Não era pra você entrar aqui, tá uma bagunça enorme. - Disse o jovem cientista, com uma expressão triste, sem tirar os olhos dos papéis.
- Isso eu reparei antes. - Augusto tirou os olhos dos papéis. Rogério se encostou numa coluna. - Quem você acha que te colocou ali? - Disse apontando para o colchonete. O cientista apenas voltou os olhos para os papéis. - Me desculpe se eu estou interrompendo. Acho melhor eu voltar outra hora. - Disse, se virando, pronto pra subir a escada.
- Na verdade... - Bufando, Augusto se rendeu, largou os papéis e desistiu. - Vou subir com você.
Parecia que Augusto também havia se arrumado. Estava limpo, e com roupas limpas. Seu cabelo estava penteado de lado, e um óculos de armação grossa agora estava em seu rosto. Convidou o hóspede para uma volta. Disse que não costumava sair muito. Já estava tarde, o movimento na rua estava menor.
Andaram uns vinte minutos até um bar, a alguns quarteirões dali. Tinham algumas motocicletas paradas na frente. Entraram e se depararam com um bar razoavelmente cheio, nenhuma mesa vazia. A jukebox tocava Elvis Presley. Alguns casais dançavam animados, todas as mesas de sinucas recebiam jogadas. Os dois se sentam no bar. Cada um com sua garrafa de cerveja. Começou a tocar Chuck Berry.
- Sabe... - Começou Augusto, dando uma breve golada. - ...eu estou aqui a quase 1 ano e não conhecia essa área. - Rogério virou a cabeça, ouvindo atento. - Bem, na verdade, não sou muito de sair, especialmente a noite. - Deu outra golada. - Nem de dia. - Ficou em silêncio por poucos segundos. - Oras, devo ter saído de casa umas 10 vezes todo esse tempo.
- No que você trabalhava? - Rogério mudou de assunto.
- Bom, era um antigo projeto que nunca deu certo. Eu venho pesquisando a alguns anos uma alternativa para uma energia limpa, segura e barata, oras. Já ouviu falar nas bombas atômicas certo? - Rogério afirmou com a cabeça. - Então, aquela bomba, apesar de ser uma bomba, liberou uma enorme quantidade de energia de uma vez só, e olha que aquela foi a mais fraca. Os Estados Unidos... - Disse sussurrando - ...já conseguiram criar uma com poder de destruição 750 vezes maior que a de Hiroshima, oras. Você tem ideia da energia que ela liberou? Agora imagina ela contida e servindo somente para gerar energia, oras. Não é querendo me gabar, mas eu estive na Irlanda a 5 anos, trabalhei no projeto da usina Calder Hall, mas não encabeçava o projeto, oras. - Rogério se impressionou com a informação. - Tudo que eu te expliquei é a parte que deu certo do projeto. O que eu realmente quero é uma versão segura e barata, que seja acessível a população. - Finalizou com mais um gole.
- Por que você voltou? - Perguntou Rogério.
- Meu pai.- Augusto deu mais uma golada - Ele morreu.
- Sinto muito.
- Não se preocupe, oras. Eu vim mais pra cuidar das industrias dele. Sabe, eu praticamente cresci na Inglaterra com meus pais. Mas depois que ele voltou para o Brasil, minha vida se resumiu à minha mãe. E aos estudos, oras. Não é querendo me gabar, mas eu fui aceito na Universidade de Oxford com 13 anos. Com 18 já estava no meu doutorado. E 22, recebo a notícia da morte do meu pai, dois meses depois do enterro. Vim para o Brasil, por causa da herança. Aquela casa antiga, que foi onde eu nasci, e mais três que ele comprou com o tempo. Sem contar com as industrias dele, que agora são minhas, oras. - Rogério ficava ainda mais impressionado com a história do rapaz. - Estou falando de mais? Geralmente não falo muito, então quando falo, sai de mais. Mas me diz, o que veio procurar em São Paulo?
Rogério fitou a parede a sua frente. - Uma vida nova. - Deu uma golada em sua segunda garrafa. - Ou algo pelo que viver. - Augusto também olhou para frente, refletindo nas palavras do jovem gaúcho. - Me desculpe se pareceu depressivo, ou rude. - Deu mais uma golada e se virou para Augusto. - Você não tem medo? Recebeu um completo estranho na sua casa, alugou um quarto para ele e até agora nem mencionou como ele irá pagar? - Rogério parecia perturbado por essas questões.
- Primeiro, não é querendo me gabar, mas eu sou um ótimo julgador de caráter. Não falho nunca. Bem, fiquei alguns minutos observando você pela janela, antes de abrir a porta, oras. Se eu não achasse que você é uma pessoa boa nem tinha te atendido. Segundo, eu falei que iria discutir isso mais tarde, além do mais, dinheiro não é meu problema. Terceiro, você estar me perguntando isso só prova que eu estou certo. - Com um gole terminou sua cerveja, colocou a garrafa no balcão, e se levantou. - Você pode terminar a sua, eu vou indo na frente. - Rogério ficou observando aquele inusitado cientista sair do bar. Percebeu que ele não era forte com bebibas.
Poucos minutos depois, três jovens saíram do bar. Rogério pagou a conta e saiu logo atrás. As três motocicletas estacionadas não estavam mais lá.
Rogério caminhou no sentido que viera antes, provavelmente, o mesmo caminho seguido por Augusto. Ao virar uma esquina, se deparou com as mesmas motos paradas poucos metros a frente, perto de um poste de luz. E quatro homens. Os três motoqueiros intimidavam Augusto, o cercando e empurrando.
Rogério parou a poucos metros dali, de cabeça baixa, escondendo o rosto com o chapéu. Apenas pigarreou para chamar a atenção dos arruaceiros.
- Ai cowboy, não tem nada pra você aqui agora. É melhor seguir seu caminho pro velho oeste. - Disse um dos jovens, seguido por gargalhadas dos outros dois. Rogério levantou o rosto e observou bem os três jovens. Os três seguiam o estilo americano de jovem rebelde. Calça jeans apertada, camisa branca pra dentro da calça, e uma jaqueta de couro finalizando o vestuário. Os topetes bem penteados completavam o estilo.
- Vamos ver, você é o Elvis... - Disse apontando para o primeiro. - ...e você o James Dean, certo?... - Apontou para o segundo. - ...Agora você, não tenho tanta certeza.. - Apontou para o terceiro, o maior. - ...mas acho que é a Brigitte Bardot, certo? Achei que ela fosse mais boazuda.
- Você tá carente de atenção cowboy? - O primeiro sai da roda, tirando a jaqueta, e jogando em cima da moto, enquanto os outros dois permanecem observando. - Pois você conseguiu a minha. - O jovem andou a passos lentos, tentando intimidar Rogério, que apenas pegou seu chapéu e jogou no guidon da mesma motocicleta.
Foi o insulto final para o "Elvis", que avançou com um cruzado de esquerda. O cowboy desviou pela direita, puxou o braço e completou com uma joelhada no estomago do rapaz, que caiu ajoelhado no chão após o golpe. Isso foi a deixa para os outros dois avançarem e deixarem Augusto de lado. "James Dean" correu, avançou com outro cruzado de esquerda, que Rogério defendeu com o braço direito. Num movimento rápido, segurou por trás da cabeça dele com a mão direita, e deu tres socos no nariz com a esquerda. Foi audível o nariz se quebrando no terceiro soco. Por fim, girou o corpo e puxando a cabeça do "James Dean", condunzindo até se chocar com o poste de luz. O segundo caiu ao chão. Quando pensou em se virar recebeu um chute com a sola do pé nas costas, vindo do terceiro. Caiu de quatro no chão, e logo depois um chute na barriga, do primeiro arruaceiro, que já tinha se levantado novamente.
Outro chute e Rogério perdeu as forças nos braços e pernas, caindo deitado de lado. Quando "Elvis" preparou um terceiro chute no estomago, o cowboy girou o corpo no chão e chutou a perna dele, que desequilibrou e caiu ao chão. Rolou para o lado e se levantou. Estava agora entre o maior deles em pé, e o primeiro que ainda estava no chão. Dessa vez Rogério avançou. "Brigitte" se preparou para outro chute, mas dessa vez Rogério esquivou para o lado, segurou a perna dele no ar e girou, jogando contra a parede. O terceiro caiu no chão, desequilibrado. Rogério aproveitou e deu um chute na cabeça do rapaz, que ficou desacordado.
Só restava o "Elvis", que acabara de tirar um canivete do bolso. Ele avançou tentando cortar Rogério na altura da barriga. O gaúcho esquivou saltando para trás duas vezes. No terceiro golpe, em que o rapaz tentava perfurar Rogério, ele aproveitou a chance, e enquanto esquivava para trás, agarrou o braço, girou o corpo e completou com uma cotovelada no rosto do rapaz. Ele bateu duas vezes o punho do "Elvis" contra a parede, porém ele não soltou. Mais duas cotoveladas e bateu outra vez o punho contra a parede, que dessa vez largou o canivete. Ele sentiu um soco no rim, e largou o rapaz.
Mesmo cansado, o rapaz montou guarda, quando ele avançou, Rogério esquivou, passou por ele e deu uma rasteira que o derrubou no chão. O cowboy ajoelhou no peito no rapaz, e deu mais dois socos no rosto que já estava sangrando. Ele percebeu o rapaz movimentando o braço, tatetando o chão, tentando alcançar o canivete. Rogério cansado daquela situação, salta e deposita o joelho no braço do rapaz. Ele pega o canivete e finca na mão aberta do oponente. Mesmo fraco o "Elvis" solta um grito de dor agunizante.
- Qual a sua moto Elvis? - Perguntou Rogério. O rapaz apontou para a da ponta, na qual a jaqueta e o chapéu repousavam. - E as chaves? - O garoto não respondeu. Rogério girou o canivete, tirando um grunido de choro e alguns lágrimas.
- Na.. na.. jaqueta - Disse choramingando.
Rogério tirou o canivete da mão com força, permitindo que o rapaz segurasse a mão sangrando. Limpou o canivete na blusa branca do rapaz e se levanta. Augusto, que todo esse tempo esteve parado sem reação, começou a gaguejar, tentando falar alguma coisa. Claramente não era assim que ele esperava terminar sua noite. Ficou apenas observando enquanto Rogério procurava as chaves na jaqueta. Quando ele achou, soltou um sorriso para Augusto, talvez o primeiro do dia. Jogou o canivete para cima, pegou novamente no ar e furou os pneus das outras motocicletas. Por fim, as derrubou no chão. Aquele ainda não fora o último insulto.
Pegou a jaqueta de couro, e experimentou. Serviu perfeitamente no jovem cowboy. Colocou o chapéu na cabeça, montou na Harley-Davidson e deu partida. Outro sorriso quando ouviu o barulho do motor funcionando. Com um aceno de cabeça mandou Augusto subir na moto. O jovem cientista, mesmo apreenssivo, se apressou, olhando o resultado daquela noite. Dois rapazes desacordados, um com a mão sangrando, duas motocicletas com pneus furados, e uma sendo roubada. Subiu na moto, e Rogério acelerou em direção a antiga casa.
Guardou a moto nos fundos da casa, os dois não trocaram mais palavras aquela noite. Rogério subiu as escadas para o segundo andar. Augusto desceu para o porão.
Continua...
Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, factos ou situações da vida real terá sido mera coincidência
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