- Gata
Purgatorium (Capítulo 1 disponível)
03/03/13, 08:59 pm
- Prólogo - Bem vindo e boa sorte!:
Existe vida após a morte, mas não se trata de algum paraíso, está mais próximo da nossa visão de inferno. Não se sabe se existe algum deus, anjo, ou algo do tipo, ao menos não na concepção usual. Da mesma forma que eles não aparecem publicamente na vida, também não aparecem na morte. Agora, os demônios já são outra história. Não são aqueles citados na bíblia, ou presente em outras mitologias, mas eles estão lá. Do outro lado, os demônios somos nós. Mas deixe-me esclarecer melhor outros pontos antes de explicar essa afirmação.
O outro lado não é, no entanto, algo completamente diferente do que conhecemos. Pelo contrário, ele é até bem familiar. O outro mundo é um reflexo distorcido da Terra, decadente, em ruínas, morto. Ele é uma espécie de colcha de retalhos, formado por lugares onde aconteceram desastres, acidentes, guerras, assassinatos, suicídios, enfim, mortes em geral. Um cenário surreal que mistura diversas eras em um único lugar. Em uma mesma rua que houve um acidente de carro, existe uma senzala onde escravos foram mortos, a Europa possui tanques e prédios da Segunda Guerra, ao lado de campos de batalha medievais.
Além disso, ele não é, exatamente, outro lugar. Ele é aqui. O mundo invisível de que falo é o mundo energético, enquanto o mundo dos “vivos” é o mundo material. Os dois ocupam o mesmo espaço, mas estão em planos diferentes, em outras palavras, eles se sobrepõem. Eles compartilham das mesmas leis físicas. Por esse motivo é possível alguma interação entre eles, como visões de “fantasmas”, “demônios”, “anjos”, ou comunicações entre os mundos, como a psicografia, e alguns até conseguem transitar entre esses mundos, como no caso de viagens astrais, ou possessões. O mundo invisível está a sua volta.
Mas o que é esse mundo? Bem vamos a uma pequena aula de ciências. A matéria é basicamente energia condensada, no entanto, há algo que nos difere de uma pedra, somos vivos, temos uma energia a mais. A humanidade vem chamando-a de vários nomes, chackra, alma, chi, aura, mana, cosmo, e alguns cientistas chamam de orgônio, a energia primordial. Ele está presente em toda forma de vida, desde uma bactéria, passando pelas plantas, até chegar a nós. A ciência ainda não possui métodos eficazes de medi-lo, mas ele pode ser visto por pessoas perceptivas, ou em estados alterados de consciência, como na meditação budista, no transe xamânico, e até no uso de alucinógenos. A grande questão era: pra onde vai essa energia quando o organismo na qual ela se encontra morre? Acho que agora você já sabe a resposta.
Contudo, isso significaria que o mundo invisível seria um enorme espaço vazio com almas vagando, e sem quaisquer objetos e construções. Afinal, somente os seres vivos possuem o orgônio. Porém, sempre que existe uma morte violenta, como nas situações citadas mais acima, a energia se liberta de seu simulacro (o corpo, no caso dos humanos) de forma abrupta e descontrolada, imbuindo os objetos a sua volta, principalmente aqueles diretamente ligados a morte. Por isso, o outro mundo é um cenário tão confuso e caótico, repleto de ambientes desconexos.
Além disso, é um local decadente. Nenhum tipo de energia se cria, ou se destrói, elas apenas se transformam em algum outro tipo de energia, ou passa para outro meio. O orgônio deixa o corpo após a morte, se juntando ao mundo energético como um novo ser de energia, mas sempre que um novo ser nasce é necessário que alguma energia junte-se a ele. Então, a cada nascimento uma parcela ínfima de cada ser do mundo energético é transmitida a esse novo ser do mundo material, dando origem a sua “alma”. Por ser tão pequena, essa parcela retirada pode parecer desprezível, mas quando se leva em conta a enorme quantidade de seres que nascem todos os dias no mundo material, percebe-se que a cada dia os seres do mundo invisível perdem uma quantidade razoável de energia. Isso faz com que uma “alma” humana no outro mundo tenha um prazo de validade de uma década, aproximadamente. Então a promessa de vida eterna é, em partes, uma grande mentira. Em partes.
O orgônio possui algumas particularidades em relação a outros tipos de energia. Ele consegue se transformar em outros tipos de energia, como calor, eletromagnetismo, gravidade, sem precisar de qualquer aparato, ou equipamento para isso. Além disso, ele possui uma espécie de memória energética, guardando dados das formas energéticas e/ou materiais pelos quais ele já passou. Então, a “alma” no outro mundo, nada mais é que o orgônio seguindo uma forma pré-programada, ou seja, mantendo as memórias de sua forma em vida. Sendo “alma” o termo mais usado entre os seres do outro mundo para referir-se a eles mesmos. Mas, como no outro mundo tudo é feito de energia, é possível que a alma aprenda a interagir com outras energias, desenvolvendo algo que chamaríamos de super-poderes.
O que a alma pode fazer só é limitado por ela mesma. Ela pode “voar”, criar chamas, mover objetos sem ter que tocá-los, transformar sua imagem... contudo, tudo isso custa parte de sua própria energia. Portanto, mesmo aprendendo a manipular energias de certa forma, ao usá-las, a alma estaria acelerando seu processo de decadência. Mas, além desses poderes utilizados no mundo energético, a alma também pode usar seus poderes para influenciar, de forma limitada, o mundo material. E é aí que as coisas começam a se tornar mais obscuras.
A energia orgônica em si, não pode ser destruída, como qualquer outra forma de energia. No entanto, a integridade da alma, como uma forma energética pode. Em outras palavras, uma alma pode ser “ferida” e até destruída. A morte não é o último fim! Quando uma alma é destruída o orgônio que a compunha se dispersa e as memórias que ela armazenava, normalmente, são perdidas. Porém, essa dispersão não é instantânea. Levam alguns segundos enquanto a alma se esvai em energia pura. E enquanto desenvolvem seus “poderes” os seres do outro mundo aprendem a absorver almas. Assim, uma alma que absorve outras almas, não só consegue uma reserva de energia para usar seus poderes, como também evita a decadência natural do outro mundo, vivendo indefinidamente. Como se isso já não fosse incentivo o suficiente, a sensação de absorver outra alma está acima de qualquer prazer que pode ser experimentado em vida. E como esse é o único prazer real que uma alma pode sentir, ele se torna extremamente viciante.
Então voltamos, aos demônios, ou às atrocidades que a psiquê humana pode realizar. A princípio as desculpas para que uma alma destrua, e absorva outras, são plausíveis. “Eu preciso enviar uma mensagem para minha mulher”, “Tenho que me vingar daquele que me assassinou”, “É a única forma que encontrei para sobreviver”... Mas conforme a alma vai acumulando energia, e tendo acesso a poderes maiores, a ganância e o vício vão se apoderando delas, seus objetivos se tornam maiores e mais obscuros. “Se eu possuir o líder daquela gangue, eu posso fazê-lo entrar em guerra com aquela outra gangue, e logo os responsáveis pela minha morte estarão todos mortos”... Além disso, as transformações se tornam frequentes. Criando asas permanentes em si, uma alma não precisa gastar mais energia para voar; criando garras em suas mãos, ela conseguirá ferir outras almas mais facilmente... E assim, o processo natural de decadência de uma alma, vai sendo substituído pelo processo de corrupção. E as almas vão se transformando aos poucos no que os vivos chamam de demônios.
Existem almas poderosíssimas, mas totalmente corrompidas. Seu corpo completamente transformado, coberto de escamas e espinhos. Traçando planos para manipular os vivos, para que matem inúmeras pessoas enquanto eles esperam ansiosamente a chegada de suas almas para “alimentá-los”. Portanto, o clima do outro mundo é de medo. Os recém chegados tem que se esconder e fugir constantemente para não serem destruídos e absorvidos. E seu tempo nesse mundo não durará para sempre, a não ser que eles também absorvam outras almas. Eles podem se unir para aumentar suas chances de sobreviver, mas como confiar em seres que podem estar tramando para roubar sua alma?
A resposta cabe a você mesmo descobrir. Se você encontrou esse pergaminho, então já tem uma boa noção do que o espera. Mas a decisão de se entregar, ou lutar para sobreviver, é exclusivamente sua. O máximo que podemos fazer é lhe desejar boa sorte.- A Ordem dos Poetas Mortos
- Capítulo 1 - Destino Sombrio part. I:
_ Léo... Léo, acorda! Acorda filho... Já é quase meio-dia... – Leonardo abre os olhos com desânimo. Vê Sônia, sua mãe, juntando as roupas sujas em seu quarto... Ele não estava com sono, mas não tinha vontade nenhuma de se levantar – Você quer ajuda para se trocar?
_Não, mãe! Pode deixar.
_Tem certeza? Se prec...
_ EU DISSE NÃO, MÃE! – ele a interrompe com um tom seco, mas logo se arrepende. Ele sabe que a mãe só quer ajudá-lo – Desculpe. Eu não queria...
_Tudo bem, filho! – ela dá um sorriso forçado para disfarçar a tristeza em seu rosto e evitar chorar novamente – Desça quando acabar. O almoço está quase pronto. – Ela acaba de pegar as roupas e sai.
Ele entendia a reação das pessoas em tentar ajudá-lo, mas já estava cansado daquilo. Isso só aumentava sua sensação de invalidez. Ele se sentia um fardo para sua família. Seus amigos o visitavam no início, mas ele não aguentava os olhares de pena. Não que eles fizessem por mal, deve ser difícil disfarçar. Então, ele passou a evitar as visitas. Arranjava uma desculpa e se mantinha isolado.
Há 5 meses Leonardo e Bruno, seu melhor amigo, sofreram um grave acidente de carro. Eles voltavam de uma festa, ainda animados, pois tinha sido muito boa. De repente, ao passar por um cruzamento, uma pick-up fura o sinal vermelho e atinge a porta do passageiro em alta velocidade. Leonardo tem seu braço direito prensado entre os destroços da porta e o banco, além de diversos cortes no rosto. Mas, apesar de estar do lado contrário à batida, é Bruno que leva o maior dano. Ele bateu a cabeça violentamente contra o vidro da porta, o que o levou a óbito algumas horas depois.
Leonardo passou alguns dias entre a vida e morte. Os médicos não conseguiram recuperar seu braço, que foi amputado pouco acima do cotovelo. Mesmo fora de risco, ele passou quase um mês se recuperando no hospital. As cirurgias corretivas não foram o suficiente para recuperar completamente seu rosto. Mas de todas as dores que passou, a maior foi não ter tido a chance ir ao funeral de seu amigo para se despedir.
Sua vida tinha se transformado para sempre, e ele não fazia idéia do que faria a partir dali. Estava se acostumando com sua prótese, mas ainda se surpreendia ao tentar pegar algo com sua mão que não existe mais. – “Eu me tornei um inútil!” – pensava ele. Além disso, as dores voltavam vez ou outra. Seu braço sendo prensado... Aquilo era psicológico, mas a dor era real e insuportável.
Sua mãe insistia para que ele saísse para se distrair. Ela percebia que ele se afastava cada vez mais de tudo, e sofria em ver o filho daquela forma. Coitada! Mas sua insistência só o deixava mais irritado.
_ Mãe, vou ao cinema com o pessoal hoje à noite. – Aquilo era o que ela queria ouvir a um bom tempo. – Que ótimo, filho! Quem vai com você? Quer que eu te leve? Eu posso...
_ Mãe! Relaxa. Eu já acertei tudo. Não se preocupe, eu quero fazer isso por conta própria. – Era um grande passo em sua recuperação. Sônia se preocupava se tudo correria bem, mas não queria desmotivar a iniciativa do filho. Mesmo apreensiva, ela estava muito feliz.
Na verdade, Leonardo não havia combinado de sair com ninguém. Ele ia ao cinema sozinho. Estava cansado de toda piedade e queria ficar um tempo sozinho para espairecer. Dar uma volta no shopping. Se distrair.
Após o filme ele resolveu voltar andando para casa, afinal não morava muito longe. Passando pelo parque levaria uns 20 minutos. O filme não foi grande coisa. Ele nem prestou atenção, na realidade. Ele precisava daquele tempo para pensar. E tinha tanta coisa... Por isso a caminhada para casa era uma boa ideia, um tempo extra fora de sua vida.
_ SOCORRO!!! – o grito da mulher ecoou pelo parque. Léo estava tão distraído que não havia percebido que o parque estava praticamente deserto. Exceto pela moça sendo ataca por um cara a uns 100 metros à frente. Ele não pensou muito na situação, quando percebeu já estava correndo na direção dos dois. – Ei! Deixa a ela em paz!
_ Não se mete, cara! Segue seu caminho para não sair machucado. – o assaltante nem sequer olhou para ele. A mulher, uma loira de 20 e poucos anos, chorava de medo. Enquanto o homem, que tinha cerca de 1,90m e usava uma máscara, segurava-a pelo braço com uma mão e a ameaçava com uma faca com a outra. – Me ajude. Por favor!!! – dizia a moça aos prantos.
Leonardo não sabia o que fazer. Ele não tinha condições de enfrentar o homem, não via mais ninguém no parque, e até que conseguisse alguma ajuda algo de ruim poderia acontecer com a moça. Novamente a sensação de inutilidade... Mas ele estava cansado daquilo. Seu soco de canhota atingiu a nuca do homem, que até então o ignorava. Porém o golpe não tinha muita força. Léo era destro. – Tá maluco, cara?! Vai querer morrer por essa vadia?! Tudo bem. Então vai você primeiro. – o homem solta a mulher, que corre sem olhar para trás, e avança sobre Léo com a faca.
Com um golpe forte, o homem tenta acertar o peito de Léo, que por reflexo tenta se proteger e acaba conseguindo. Ele põe os braços cruzados em sua frente, e a faca se crava em sua prótese. Léo revida e usa a prótese para atingir a cabeça do homem, que cai no chão junto com a faca. Contudo aquela dor invade o corpo de Léo, novamente. Uma dor nervosa, talvez pela força do golpe, ou por ver uma faca onde deveria estar seu verdadeiro braço, enfim. Um arrepio o percorre, é como se ele tivesse batido um cotovelo em uma quina, mas mil vezes mais intenso. Seus olhos azuis se enchem de lágrimas, ele fica paralisado, e tudo a sua volta some, só resta a dor.
O assaltante aproveita a situação para se levantar. Dá um forte empurrão em Léo, que cai sentado, e foge. A dor nervosa continuava, mas Léo se sentiu aliviado por ter salvado a moça. Mas então o pavor se mistura à dor.
Ao olhar para baixo, vê sua camisa branca tornando-se vermelha com seu sangue. A dor do braço tinha sido tamanha que ele não percebeu que o homem não havia lhe empurrado, mas sim lhe dado uma facada na barriga.
De repente toda dor passa. Nem o braço, nem a barriga doem. Na verdade ele não sente mais nada. Seu corpo acaba de se deitar no chão, mas ele se sente leve, como se estivesse flutuando. A única coisa que vê é a luz do poste logo acima, mas esta parece ficar cada vez mais distante. E então tudo é silêncio. Uma calma o envolve. Ele pensa em sua mãe, mas não tem tempo de ficar triste. Seus olhos se fecham...
Escuridão total, mas sem frio, sem dor... Ele tenta se levantar, mas cai de joelhos, apóia sua mão esquerda no chão e a direita vai até seu rosto... Seus olhos se abrem de espanto... Sua mão... Não foi a prótese que tocou seu rosto, foi sua mão direita, realmente... Ele tinha os dois braços novamente... Tudo continuava escuro, mas ele conseguia perceber que ali não era o parque... – “Onde estou? Isso é um sonho?” – pensou ele.
_ Não garotinho! Isso não é um sonho. Mas logo você vai desejar que fosse. Hahahaha!!!(continua...)
Galera, esse é um cenário que eu venho fermentando na cabeça há um tempo e agora resolvi coloca-lo em palavras. Ele tem uma temática mais madura. Apesar de não chegar a ser algo traumatizante, também está longe de ser uma historinha de final feliz. Portanto, se você não curte algo um pouco mais "pesado", não leia.
Espero comentários, críticas, sugestões, e convites para casamento. Até o próximo capítulo.
- Barata
Re: Purgatorium (Capítulo 1 disponível)
03/03/13, 09:46 pm
Cara, contos assim são legais, e criar cenários é mais legal ainda, espero que fique bom. De primeira mão, parece interessante, e tem uma escrita boa!
- Gata
Re: Purgatorium (Capítulo 1 disponível)
05/03/13, 07:33 am
Valeu Lobo! Tenho uma ideia do roteiro, mas vamos ver como fica escrito...
- Clarissa
Re: Purgatorium (Capítulo 1 disponível)
05/03/13, 07:59 pm
Eu fiquei toda arrepiada.... mas o texto ficou excelente. Estou ansiosa para a continuação...
- Gata
Re: Purgatorium (Capítulo 1 disponível)
06/03/13, 03:42 am
Obrigado, Encantriz! Estou acertando alguns detalhes e já devo postar o próximo capítulo na quinta.
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